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Maneiras de praticar processos colaborativos

Lizandra Barbuto

2 de mai. de 2024

“O que sabemos é uma gota, o que ignoramos é um oceano”, Isaac Newton

O tema colaboração é o que há de mais inovador no momento e vem ganhando força nos últimos 15 anos, sendo cada vez mais aceito, até mesmo por organizações mais tradicionais. Esta claro que há desafios e muita confusão em relação à prática de colaborar, pois para a colaboração ser efetiva e alcançar resultados esperados como o sucesso de projetos é preciso ir muito além de coletar opiniões sobre um tema. Para um eficaz processo colaborativo, que gere ideias e resultados, é preciso usar métodos específicos, assim como atitudes pessoais.


A frase que abre este artigo traz uma reflexão que diz respeito também a essa construção. Uma vez que cada pessoa sabe uma gota para formar o grupo, o que cada um traz para o coletivo é um oceano desconhecido. Uma atitude interessante para estar disponível para um real processo colaborativo é se permitir estar no processo, pois este faz emergir a direção rumo ao que se busca. Porém para abrir o processo deve-se usar métodos apropriados para cada projeto ou contexto.


Tanto para iniciar quanto durante o processo irão emergir muitos desafios que impedem ou bloqueiam o potencial da colaboração. Por exemplo:

  • Não ter clareza do propósito do grupo;

  • Necessidades de reconhecimento maior que a vontade de colaborar;

  • Informações retidas e limitadas;

  • Desconfiança entre as pessoas do grupo.


Já vivenciou isso?


Penso que quando confrontados como parte oportuna do processo, os desafios podem gerar muitos resultados satisfatórios. Uma vez ultrapassadas as visões egocêntricas e criar o senso comum em direção a um único objetivo, é possível trabalhar com visão e base de conhecimento mais amplas, criando perspectivas completas: ampliando conexões, semelhanças e diferenças de entendimento.


A prática de colaborar é, sobretudo, um processo interativo, que amplia a visão do todo ao fazer enxergar as contribuições uns dos outros em um contexto compartilhado. Esse é um benefício da construção conjunta.


Como praticar? Do começo

Existe uma infinidade de técnicas, plataformas e maneiras de colocar processos colaborativos em prática. A escolha depende do objetivo que se deseja alcançar, o contexto do grupo e o tempo disponível. A seguir, relaciono alguns modos de fazer que podem ser úteis em qualquer contexto como boas práticas para um processo colaborativo.


Check in ou rodada: “check in” é um nome comum no contexto de facilitações. “Rodada” é mais comum no contexto terapêutico. Inspirado por grupos tradicionais algumas pessoas têm usado o termo “Chegança”.


Um dos aspectos mais importantes na colaboração é considerar as pessoas envolvidas. Dessa forma, em um check in, o grupo tem oportunidade de compreender o estado emocional ou alguma situação que a pessoa esteja vivenciando e que possa comprometer ou contribuir com o processo do grupo. No check in pode-se usar a criatividade e se expressar por meio de uma palavra ou algo divertido – por exemplo, usando uma metáfora para descrever o estado no momento. Assim, é possível ter clareza sobre comportamentos individuais naquele grupo.


Em equipes que trabalham juntas se encontrando em diversas reuniões em um dia, pode-se realizar um check in no início do dia e check out ao final. Isto porque percebo que, se há encontros frequentes em um curto espaço de tempo, ele perde a força.


Criar espaço para emergir percepções contraditórias: essa ação é de fundamental importância para gerar ideias. O primeiro passo para a compreensão comum do que está sendo tratado. Porém, só é possível quando não há julgamento externo e, principalmente, interno. Quando não há necessidade de ter a solução imediata e não ter a preocupação em saber como colocar em prática.


Estar diante de ideias aparentemente contraditórias contribui para expandir a capacidade e exercitar a criatividade, já que, como disse William Plomer, “a função do homem criativo é perceber e conectar aquilo que parece completamente desconexo”.



Formas de desenvolver

  • Um vilão chamado julgamento. Uma solução chamada brainstorming


O modelo mecanicista desde o século XVI estimulou um modelo mental que prioriza a mente. Essa, por sua vez, é o berço do julgamento. Esse modelo mental é um dos maiores vilões para o bom uso do potencial da colaboração. Por isso, é preciso estar atento a si mesmo para não cair nessa armadilha de limitar o processo criativo, uma vez que ele necessita de uma mente aberta e disponível para criar ideias e conectá-las de maneira inovadora.


O senso de pressa e resolução imediata, pouca paciência para a escuta do outro ou a aplicação de algum método são comportamentos visíveis que nascem do julgamento, limitando a abertura para ampliar ideias e resoluções.


Há métodos que organizam ideias contraditórias e documentam os processos para ajudar na construção da intenção e compreensão comuns. O brainstorming é um deles. Em tradução literal para português, “tempestade de ideias”, a técnica foi desenvolvida pelo norte americano Alex Faickney Osborn, em 1939, ao perceber que os seus funcionários tinham dificuldade em criar campanhas criativas para seus clientes.

Assim, criou esse processo de estimular a geração de ideias. O método visa colher e analisar a maior quantidade possível de opções para uma determinada situação.


Depois do brainstorming é preciso utilizar novas técnicas para colocar as ideias em ação, pois concretizar ideias e acompanhar os resultados é o que gera satisfação e motivação rumo ao sucesso.


  • Círculo do Sonho


Círculo do Sonho é uma técnica desenvolvida pelo australiano John Croft para o método Dragon Dreaming. Ele pode ser usado de forma independente de todo o método.


Diferente do brainstorming, o Círculo do Sonho tem uma ordem de coleta das intenções, podemos chamar, “sonhos” dos participantes em direção a um projeto ou solução específica. Ao final, os sonhos individuais são transformados em um sonho coletivo, quando são lidos no passado, gerando uma sensação de realização. Esse é um processo de abertura ao que emerge. Assim como no brainstorming é necessário deixar de lado o julgamento ou a negação ao que o outro traz.


A técnica é realizada em círculo, seguindo a sequência, para que todos tenham a mesma oportunidade de se expressar. É necessário registrar o sonho de cada um em um documento simples, manuscrito ou digital, de forma clara e organizada, da seguinte forma: “NOME: SONHO/INTENÇÃO DO PARTICIPANTE”. A consulta continua até que todos se sintam contemplados. O arquivo será valioso para acompanhar o projeto em todas as fases.


Os princípios são:

  • Não negar o sonho do outro ainda que pareça contraditório ou impossível;

  • Dizer um sonho por vez a cada turno na roda;

  • Não justificar o sonho, pois o grupo está construindo relações de confiança. Por isso, é importante confiar que todas as contribuições são relevantes para o processo. A justificativa emerge quando não há confiança suficiente, sendo necessário explicar o porquê do sonho;

  • Estar atento para manter a energia e atenção do grupo.


Além disso, é importante ter visualmente claro para todos os participantes o que está sendo dito, principalmente quando há muitas pessoas. Para tal, uma boa prática é documentar de forma clara e visual: construir listas, cores, desenhar de forma que todos acompanhem é uma forma de integrar as informações que emergem e possibilitar a compreensão para todos. Facilitadores gráficos usam dessa estratégia, pois quando se começa a esboçar em desenho uma ideia o processo se torna claro, o conteúdo se concretiza, estimulando novas ideias, ajustes e refinamento do entendimento original. Os esboços, a visualização das ideias em palavras ou desenhos integram a percepção imaginativa e possibilidades concretas.


Ter as ideias e sugestões visualmente claras e expostas para todos cria engajamento. Quando o que emerge em uma reunião está visualmente exposto, e mais do que isso, faz parte de algo criado em colaboração, como um desenho ou um documento, as pessoas se relacionam melhor com o espaço, com as ideias, e o julgamento diminui, potencializando a criatividade.

Essas técnicas mencionadas acima focam em criar um propósito comum, o que cria senso de propriedade e pertencimento. Quando as pessoas colaboram, isso ajuda a criar algo junto: há evidências tangíveis de sua contribuição, melhorando o comprometimento para o apoio a execução, já que todos fazem parte daquilo.

Há uma história simples que exemplifica o senso de propósito que gera motivação.


Havia três pessoas cortando rochas . Uma pessoa passando ao perguntar para esses cortadores o que eles estavam fazendo.


O primeiro respondeu:

– Estou cortando rochas.


O segundo:

– Estou aqui para ganhar dinheiro, pagar as contas e sustentar a minha família.


E o terceiro:

– Estou aqui construindo uma catedral.


Apesar de todos fazerem a mesma coisa , eles tinham perspectivas diferentes em relação ao seu trabalho.


Está claro que o terceiro cortador apreciava mais as suas atividades e apresentava um melhor desempenho, porque ele escolheu enxergar o propósito geral das suas tarefas e o seu impacto no contexto social, pois considerava um propósito maior, como o benefício aos fiéis que terão um lugar para rezar.


  • Teoria U


Teoria U é uma tecnologia social, por isso a diferencio dos métodos de criação colaborativa que propõem técnicas específicas para planejamento, coleta de informação, testes, monitoramento do processo e revisão. É sobre liderança pessoal e uma maneira diferente de pensar.


Otto Scharmmer, autor da Teoria U, propõe através dessa jornada conduzir as pessoas para se dissociarem do seu modo habitual de pensar, para que contribuam com possíveis soluções em sintonia com as necessidades do contexto social.


Um forte conceito nessa metodologia é a Presença, que significa que a realização do potencial futuro depende completamente de todos os indivíduos juntos. Dessa forma, valoriza o potencial individual para a colaboração. Para isso, a pessoa tem de abrir a mente para novas ideias e, ao mesmo tempo, não obstruir as emoções.


A Escuta, por sua vez, é o pré-requisito para uma boa Presença, a maneira pela qual somos capazes de ouvir. Scharmmer dividiu a Escuta em quatro níveis:

  1. Downloading: É transferir a informação conhecida, apenas ouvir para reconfirmar o que já sabem.

  2. Escuta factual: Com atenção, perceber quando a informação é diferente do que se conhece. Essas novas informações são adicionadas às já conhecidas.

  3. Escuta empática: Ver através dos olhos de outra pessoa, capacidade de entender e respeitar.

  4. Escuta generativa: Ir além da própria personalidade ao conectar sua própria intuição com o ambiente. Explora ideias e pensamentos puros.


Na prática, essa abordagem tem demonstrado efeitos positivos para incentivar os funcionários a lidar com determinadas situações de maneira diferente e a ter uma mente aberta em relação a pensamentos novos e diferentes.


  • O poder da energia


O corpo é uma peça chave nos processos de criação e execução de qualquer natureza. E, independentemente da metodologia escolhida, para manter a motivação no grupo é importante ter energia interna. Isso faz com que se mantenha atenção aos processos, sejam individuais ou colaborativos, além de prevenir doenças e manter um estado de bem-estar. Há inúmeras técnicas para isso. Todas, sem dúvida, estão associadas a conectar e mover o corpo.


Pode-se, por exemplo, fazer alongamentos, praticar uma pequena caminhada; fazer uma parada, fechando os olhos e conectando respiração e corpo.


No Dragon Dreaming, esse momento chama-se Pinakarri, um conceito aborígene que influenciou o desenvolvimento do método. Gurdijeff, um estudioso do desenvolvimento humano chamava Stop (Parada). Isto é uma parada de 1 minuto em que se recolhe a atenção para o corpo e si mesmo e logo retorna à atividade mais atento e livre de julgamentos por um certo tempo, até ser necessário parar novamente para recolher a atenção. A Teoria U, por sua vez, através do conceito de presença, sugere a prática de parar por instantes durante ações tanto individuais quanto coletivas.


Práticas dessa natureza também são propostas pelo Mindfullness, hoje muito aceita em contextos organizacionais. Demonstra que concentrar a atenção a si mesmo, relaxar e conectar com o corpo é bastante eficaz individualmente e coletivamente.



  • Hora de planejar


Desde minha experiência trabalhando diretamente com processos de criação colaborativa de projetos, digo que há poucos métodos com esse recorte propriamente. O que existem são práticas, técnicas ou adaptações de processos. Com base nisso, sugiro dois métodos, pois oferecem técnicas específicas para coletar ideias do grupo e transformá-las em ações colaborativas:


O Dragon Dreaming, que contém técnicas específicas para o planejamento que segue o ciclo Sonhar, Criar a intenção comum, Planejar, Realizar e Celebrar.


Outro método bem interessante é o Design Thinking, um método para estimular ideias e resolver problemas. Fazem parte do método a pesquisa, brainstorms, seleção de ideias e prototipagem.


Se tornou conhecida por Tim Brown e David Kelley, para desenvolver ideias e prototipagem. É uma abordagem antropocêntrica para inovação, que usa ferramentas dos designers para integrar as necessidades das pessoas, as possibilidades da tecnologia e os requisitos para o sucesso dos negócios.

É um método interessante para criar ideias e organizá-las com um objetivo!


Há muitos métodos de planejamento, mas o mais importante é a atitude de cada pessoa diante do coletivo para determinar o bom uso de um método. Algumas atitudes pessoais contribuem para a pessoa estar disponível ao processo colaborativo. Uma delas é estar em constante atitude para aprender, repensar, criar, olhar para solução. Tudo isso está diretamente associado ao desenvolvimento pessoal, logo, enxergar o processo como uma oportunidade de se aprimorar como pessoa.


Nesse caminho, cada um pode se autorresponsabilizar por si, reconhecendo as suas competências que fazem a diferença e onde não fazem, quais estruturas são profundamente impactadas pelas suas habilidades e quais não são. Assim, poder escolher onde se engajar e como ser parte do processo colaborativo.


Referências Bibliográficas


Dell'Isola, Alberto. Mentes Brilhantes. Universo dos Livros. São Paulo. 2012.

Barbuto, L. "Transformative Development and applied knowledge". GAIA University. 2021. https://pfs.icafs.earth/view/view.php?t=kPVn6wXIM3bs5COqmcyA

Brown, t. Change by Design. Harper Collins. 2019.

Scharmmer. C. O. Theory U. Leading form the future as it emerges. SOL. Massachuts. 2007.


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