Lizandra Barbuto
25 de abr. de 2024
A criatividade humana adiciona cor ao mundo.
Criatividade e inteligência são consideradas habilidades inatas em modelos mentais rígidos e – por que não? – ultrapassados. Hoje, por fim, essa ideia caiu por terra e sabe-se que todos podem desenvolver a capacidade criativa e a inteligência, desde que haja uma atitude. É preciso um estado de abertura para a conexão entre fluxos internos e externos. Ciclos constantes de aprendizado e desaprendizado, isto é, ter flexibilidade para esse movimento.
O que pode ser um grande estímulo à criatividade e ao desenvolvimento da capacidade de repensar? Constantes feedbacks e reflexões, por exemplo, nos tornam conscientes para nos darmos conta do que foi feito, do que foi aprendido e do que pode ser melhorado. Cada reconhecimento dá mais solidez sobre a experiência e, portanto, mais material disponível para o processo criativo e para a busca de soluções inovadoras e “fora da caixa”.
Quando você reconhece o aprendido pelas reflexões é aberta a possibilidade de desaprender convicções e ideias fixas para gerar uma visão de mundo mais flexível e aberta. Essa forma de estar na vida, com disponibilidade ao diferente, ao novo e ao aprendizado contínuo, eleva a frequência de momentos criativos.
Criatividade é uma competência da existência. Ser criativo é um processo – e não um estado estático relativo a “ter” ou “não ter”. Todos os seres humanos são seres criativos, capazes de se expressarem naturalmente.
Como funciona o processo criativo
Para alcançar significados efetivos para algo, é preciso analisar as possibilidades a partir de diferentes perspectivas. A criatividade e as soluções são possíveis graças ao córtex associativo. Ele coleta o máximo de informações e as transforma em novas associações. Nos momentos de insights, os filtros cognitivos relaxam momentaneamente, permitindo que ideias e soluções se tornem conscientes, sem julgamento. Além disso, o efeito da dopamina, mantém o estado de alerta e de prazer – o que nos leva à busca dessa sensação novamente. Por isso, quanto mais criativo for, mais a criatividade é estimulada, gerando dessa forma um processo de retroalimentação.
Logo, aprender, desaprender, pensar, repensar, ter novas experiências, estudar e concentrar-se em resolver problemas são iniciativas que contribuem para o processo criativo, pois estimulam as áreas associativas do sistema nervoso central. A automotivação é o combustível ideal para manter os ciclos de retroalimentação criativa.
Automotivação tem a ver com entusiasmo e vontade! Se conhecimento é poder, saber o que não sabemos é sabedoria, essa só alcançada pela experiência e a capacidade de saber repensar.
Inovação x ineditismo
Tabus muitas vezes são os grandes limitantes na capacidade de ver de forma ampla e aberta. Um dos tabus que limitam processos criativos é associado à invenção de algo inédito, algo nunca visto. Na verdade, a criatividade emerge de associações do que já foi aprendido ou do que é conhecido. Quando você precisa encontrar uma solução ou criar algo, por exemplo, acessa tudo que já experimentou. Desta forma, quanto mais experiências e conhecimento tiver, mais possibilidades terá para acessar soluções criativas.
Por isso, para ser criativo e usar todas as habilidades e aprendizados é necessário desenvolver uma mente flexível, capaz de reconsiderar ideias prévias. E, para tal, é preciso uma outra atitude importante: a humildade que vai permitir que, ao confrontar um problema ou situação complexa, não busque rapidamente o já conhecido, mas sim que esteja aberto o suficiente para o desconhecido.
Em seu livro Thinking Again, Grant (2021) apresenta um interessante no processo criatividade, Ciclo Habilidade para Repensar. Esse ciclo demonstra que antes de somente uma habilidade cognitiva ou informação armazenada, é preciso uma atitude para estimular a criatividade, a inteligência e a flexibilidade mental. Isso eleva a capacidade de aprender por meio dos constantes ciclos: “aprender e desaprender”, “pensar e repensar”, “criar e recriar”. São eles:
Ciclo Habilidade para Repensar
Seria a criatividade um fluxo?
Csikszentmihalyi, estudioso de temas como fluxo e criatividade, sugere que estar em fluxo é um balanço entre as habilidades já adquiridas e o desafio a superar. O estado de fluxo é uma experiência de completa absorção, com a sensação de completude: quando a pessoa se torna uma com o ato. Isto ocorre frequentemente quando uma pessoa executa de forma ativa algo que a interessa e, por isso, se conecta com a motivação.
Pela definição proposta pelo autor, percebe-se que a capacidade de entrar em fluxo também depende de um interesse pessoal em superar um desafio e a ter vontade de aprender.
O gráfico desenvolvido por Csikszentmihaly mostra como chegamos ao fluxo – estado essencial para manter e aumentar a nossa capacidade criativa.
Logo, a criatividade emerge quando saímos do caminho de sempre – o que demanda um certo esforço, uma vez que o sistema nervoso sempre irá encontrar a solução mais fácil pois é a que demanda menor gasto energético. Por outro lado, esse esforço libera neurotransmissores que geram sensação de prazer e energia, pois momentos criativos envolvem um mecanismo complexo na rede neural, muito maior que o necessário para pensamentos e ações metódicas e conhecidas.
Estímulos à criatividade em meio ao excesso de informações
Estamos em um momento histórico muito estimulante, que demanda um estado de atenção interno para se manter íntegro nos próprios valores e identidade, e ao mesmo tempo conectado a um mundo de informações infindáveis. Como diz Grant, o ritmo acelerado das mudanças significa que precisamos questionar nossas crenças mais prontamente do que nunca.
Apesar da resistência em repensar e reconsiderar alguns aspectos da vida, outros parecem acontecer de forma natural. É o caso de comprar o “carro do ano”, atualizar o guarda-roupas de acordo com a tendência da moda. O interessante a refletir é: em qual aspecto da minha vida é difícil reconsiderar convicções e pensamentos para que novas ideias e possibilidades refresquem a mente?
Ter a mente aberta de fato requer procurar razões pelas quais podemos estar errados e revisar nossos pontos de vista com base no que aprendemos. É também ser capaz de desaprender.
"Estar atento a autoconsideração que se julga brilhante, pois quanto mais brilhante você é, mais difícil pode ser ver suas próprias limitações. Ser bom em pensar e saber pode torná-lo pior em repensar”.
Grant.
Disto isso, que tal praticar estímulos para a criatividade? A seguir, alguns deles:
Fazer algo novo com frequência;
Experimentar o máximo possível;
Estar motivado a aprender e desaprender;
Estar envolvido com diferentes contextos;
Aceitar a confusão do aprendizado e mergulhar nela;
Estar aberto a errar;
Estar aberto a acertar, mesmo quando todos pensam que você está errado;
Encontrar o equilíbrio entre o que é familiar e o que é novo e desafiador;
Ir além do limite e ver o que funciona;
Explorar as possibilidades.
Que tal pensar diferente?
Segundo Grant, uma das razões para a não criatividade e a dificuldade de pensar diferente é a preguiça cognitiva. “Muitas vezes preferimos a facilidade de nos apegar a visões antigas à dificuldade de lidar com as novas”, diz ele.
Essa questão está diretamente conectada à capacidade de indagar a nós mesmos, pois o mundo seria ainda mais imprevisível. Irá exigir admitir que os fatos podem ter mudado, que o que antes era certo pode agora estar errado. Admitir tudo isso ameaça a identidade do ser, uma vez que faz parecer que estamos perdendo uma parte de nós mesmos. Para nos sentirmos seguros socialmente é normal que a nossa concordância esteja voltada para opiniões que nos fazem sentir bem, em vez de ideias que nos fazem pensar muito.
Essa é a complexidade humana. Tudo o que envolve nossa existência está diretamente ligado à nossa identidade. Se por um lado o organismo tende a poupar energia ao se manter no conhecido por ser “mais fácil”, por outro é o esforço que gera mais prazer, estímulo e entusiasmo. Fica a escolha de cada um para eleger o caminho a seguir e, assim, exercer sua vontade.
REFERÊNCIAS
CATMULL, Ed. Creativity, Inc.: Overcoming the Unseen Forces That Stand in the Way of True Inspiration. Random House. New York. 2014
CSEKSZENTMIHALY, Mihaly. Finding Flow: The Psychology of Engagement with Everyday Life. Basic Books. 1997.
CSEKSZENTMIHALY, Mihaly. Flow: The Psychology of Optimal Experience. Haperperenial. 2014.
DWEK, Carol. Mindset, a nova psicologia do sucesso. Editora Objetiva. 2018
GRANT, Adam. Thinking Again - the power of knowing what you don’t know. Viking. New York. 2021